Filhas de Safo: uma história da homossexualidade em Portugal

Paulo Drummond Braga

As Lésbicas são ignoradas não por tolerância, mas pelo desconhecimento: afinal de contas, que poderiam fazer de tão grave duas mulheres sem um homem?

Amílcar Torrão Filho, Tríbades Galantes, Fanchonos Militantes, Homossexuais que fizeram História

Paulo Drummond Braga, historiador medievalista, traz-nos nesta obra o caminho da homossexualidade feminina em três andamentos: o pecado (séculos XII-XV), crime (séculos XVI-XIX) e doença (séculos XIX-XX). Enquanto historiador, Drummond Braga traz-nos a partir de diferentes fontes o percurso histórico do lesbianismo em Portugal.

Começando por mostrar que a história da homossexualidade marca presença na história antiga, do Paleolítico às civilizações antigas – Mesopotâmia e Egipto faraónico -, da Grécia Antiga à Idade Média, o curso da homossexualidade, especialmente o da homossexualidade feminina, sofrera várias transformações de acordo com a moral, os costumes, as transformações sociais e políticas de cada época.

Sob o impacto do cristianismo triunfante após a queda do império Romano do Ocidente, o historiador conta-nos que as questões em torno da sexualidade mudam radicalmente de figura, sendo agora remetida esta esfera da vida íntima à necessidade única e exclusiva da perpetuação da espécie. A homossexualidade, considerada agora como “pecado nefando” ou “crime abominável de sodomia”, passa então a fazer parte das heresias a serem perseguidas. É sobretudo a partir da baixa idade média, do séc. XII ao séc. XV, que a homossexualidade começa a ser mais severamente punida sendo o “pecador nefando que violava a lei natural de deus” considerado um herege.

Um pouco por toda a Europa o safismo começa a ser penalizado. Entre a pena de fogueira e enforcamento os relatos mais macabros de tortura do safismo medieval remonta a pequena cidade italiana de Treviso, junto a Veneza, podendo a práticante de safismo ser “condenada conduzida e amarrada e desnudada pelas ruas ficando exposta três dias e três noites, sendo no dia imediato queimada fora da cidade”. Em Portugal, a primeira medida legislativa contra os amores sáficos data finais do séc. XV, sendo aplicada a medida de morte pelo fogo. Quanto à inquisição, já no séc. XVII, referia que “a mulher culpada da homossexualidade deveria ser degradada para as ilhas de São Tomé e Príncipe ou Angola”.

De descrição mais rica e/ou detalhada da homossexualidade feminina é o séc. XVIII. Os caos palacianos de amores sáficos entre princesas e rainhas são variados sendo alguns dos mais conhecidos as histórias amorosas das irmãs inglesas Maria II (1662-1694) e Ana (1665-1714), da dinastia Stuart; em França, Maria Antonieta (1755-1793), Luisa Adelaida de Orléans (1698-1743); Isabel de Bourbon Parma (1741-1763), ou ainda, em Portugal, Maria José Luísa de Saboia (1753-1810), mulher do conde de Provença, e mais tarde o polémico caso do amor lésbico da Rainha D. Amélia (1865-1951), mulher de D. Carlos I, com a condessa de Figueiró, conhecida familiarmente como Pepa Sandoval.

Em Portugal, são também relatados vários casos da homossexualidade feminina ao longo da época moderna. Entre a nobreza e o clero, fazia-se distinguir a permissão das amizades ilícitas e pecaminosas por contraponto à condenação mais feérica das classes mais desafortunadas.

Variando entre o pecado e o crime, a homossexualidade – masculina e feminina – começam a ser alvo de interesse pela medicina considerando-a como doença e desvio sexual, patologia que iria imperar por toda a Europa entre finais do séc. XIX até ao último quartel do séc. XX. As práticas homossexuais femininas começaram no séc. XX por ser consideradas de aberrantes, sendo relacionadas com transtornos psíquicos que conduziam à histeria, neurastenia e à epilepsia. Impossibilitando que a mulher desempenhasse as funções de esposa e mãe, as lésbicas eram diagnosticadas como degeneradas e invertidas, devendo por isso ser remetidas a conventos, colégios, asilos, prisões e hospitais.

Ainda assim, a homossexualidade feminina em Portugal, ainda que considerada como doença, mostrava ser mais tolerada do que as perseguições dirigidas às práticas masculinas, sendo mesmo relatados casos de que haveriam maridos que as aceitavam “como uma excelente justificação para as suas aventuras extraconjugais, esquecendo que esse efeito é, muitas vezes, uma causa”. A desculpabilização da homossexualidade feminina mostrava ser sintoma da descrença em torno do prazer sexual feminino.

Em Portugal, a homossexualidade deixa de ser crime apenas em 1982, com a Revisão do Código Penal, discriminalizando condutas sexuais praticadas por adultos, como o adultério, o incesto, a prostituição ou a homossexualidade – que figuravam nos códigos anteriores de 1886 e 1852 como «crimes contra a honestidade» ou «crimes contra os costumes». 

Apesar de não constar no livro, entre finais do séc. XX e a segunda década do séc. XXI, Portugal assiste a uma reviravolta no que diz respeito aos direitos de reconhecimento de igualdade de tratamento por via da identidade e/ou expressão de género e características sexuais. Uma história que ainda falta contar.

ISBN: 9789724742922  Editor: Texto Editores Páginas: 152


Uma resposta a “Filhas de Safo: uma história da homossexualidade em Portugal”

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