O meu corpo, este desejo, esta lei: reflexões sobre a política da sexualidade

Geoffroy de Lagasnerie / Tradução: Diogo Paiva

O que é a política da sexualidade e como pensar as práticas sexuais? Esta é talvez a problemática principal que Geoffroy Lagasnerie, filósofo e sociólogo francês, nos coloca na mais recente edição do livro “O meu corpo, este desejo, esta lei: reflexões sobre a política da sexualidade”, pela chancela da BCF Editores (2022).

Discípulo de M. Foucault e de P. Bordieu, Lagasnerie, apresenta um trabalho intenso nas temáticas da sexualidade, da violência e sua relação com o estado penal, tendo publicadas inúmeras obras e ensaios filosófico-políticos sobre as matérias. Este texto, fruto do colóquio “Édouard Louis: Escrever a violência”, ocorrido na cidade universitária de Paris, a 19 de junho de 2021, sugere-nos uma reproblematização da política da sexualidade através de outras abordagens sobre o corpo, o desejo e a lei que não as que perpetuam a invisibilidade, o controlo e repressão dos corpos, sexualidades e formas de violência sexual.

Desvelando os casos de violação sexual de Samantha Geimer e de Édouard Louis, Lagasnerie, coloca a tónica da violência e do trauma nos aparelhos repressivos e regulatórios do Estado, da lógica penal, e das formas públicas de vingança coletiva, mostrando como o tratamento penal da violação de Samantha Geimer, da revelação do comportamento dos media e grupos ativistas sobre este caso mostrou ser mais traumatizante a Geimer que a própria violação acometida por Polanski.

Sobre o tratamento público das violências sexuais, o filósofo diz: “Ser vítima de violação é ver-se preso nas mãos de alguém, colocando na posição de ser um corpo de que o outro se serve, então pode constatar-se que, culturalmente, as instituições e os grupos militantes têm tendência, quando se defrontam com vítimas de violação, não de interromper essa lógica mas de a reproduzir no seu próprio domínio. É o caso dos magistrados, é o caso dos jornalistas.” (p.14). Facto que demonstra ser esclarecedor das razões que levam que muitas vítimas de violência optem pelo silenciamento ao invés da denúncia, do perdão ao invés do castigo, de forma a não perpetuar o trauma e a vergonha da estória entre desconhecidos.

Sobre a punição dos crimes de violência sexual e das políticas da sexualidade, Lagasnerie, também nos traz fortes inquietações: “Julgaremos pertinente avaliar a qualidade do tratamento público das violências sexuais através da quantidade e da intensidade da ação repressiva?” (p.30), levando-nos a supor a impunidade da violência sexual e/ou desprezo pelas dores das vítimas. Contudo, este é um princípio errado. Na verdade, aquilo que o autor teoriza é sobre a possibilidade de outras respostas à violência que não pela violência institucional, legal e/ou discursiva da “cultura da violação”, mas, através de novos dispositivos legais mais pluralistas, protetores e libertadores, que atentassem à diversidade e especificidade das situações que recorrem à jurisprudência, assim como da possibilidade de ressignificação do perdão e da reabilitação dos crimes.

Percebemos a brevidade do problema quando as verbas públicas destinadas a infligir sofrimento ao(s) culpado(s)/agressor(es) – às prisões – é maior do que aquelas destinadas ao sofrimento da(s) vítima(s) – ONGs. Alguma coisa está errada quando priorizamos o cancelamento à reabilitação.

Esta obra traz-nos estas e tantas outras inquietações. Entre o consentimento e a dominação, a invisibilidade e a vocalização, a sexualidade dos jovens e a maioridade, são vários os caminhos pelo qual o texto toma e retoma. Embora as suas módicas 82 páginas, esta é uma leitura que nos pede algumas interrupções. Interrupções para interrogar, (re)pensar e inquietar. 

ISBN: 9789895339815 Editor: BCF Editores Páginas: 82

Este texto foi publicado originalmente no site de notícias dezanove.pt.


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