Nelson Marques

“Não tive sempre consciência desta responsabilidade, que é acrescida em quem goza do privilégio de poder fazer chegar a sua voz a muitas pessoas. Ao longo da minha vida, muitas vezes disse, escrevi e fiz coisas que, inconscientemente, alimentavam o preconceito, o sexismo e a objetificação das mulheres. Houve quem me chamasse micromachista e, como tantos homens (e mulheres), achei que a acusação era coisa de “feministas histéricas”, incapazes de comunicar adequadamente a sua mensagem. Estava errado. São precisamente estes comportamentos que muitos rotulam de fait-divers, quase invisíveis ao olhar, que permitem a sobrevivência do machismo que está tantas vezes na base das desigualdades de género e da violência física, psicológica e sexual sobre as mulheres.”

Os Homens Também Choram, Nelson Marques (2020)

Nelson Marques, jornalista do Expresso onde publica originalmente a reportagem que viria a dar nome a este livro, sobre um conjunto de homens e projetos que em Portugal abrem caminhos para promover formas de masculinidade mais diversas e inclusivas, traz-nos nesta edição de “Retratos da Fundação”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, uma reflexão muitas vezes esquecida do debate público e académico, a revolução das masculinidades como uma revolução fundamental para a consagração dos princípios internacionais de igualdade de género e justiça social.

Uma chamada de atenção é feita aos leitores logo no prólogo da narrativa, de que esta não é uma obra que pretende generalizar as masculinidades à violência tóxica de género, de que todos os homens usurpam do seu privilégio numa sociedade patriarcal e machista mas, pelo contrário, mostra como as formas de machismo e desigualdade afetam quer mulheres como homens na construção dos estereótipos e expectativas sociais de masculinidade e feminilidade.

Este poderá ser um bom ponto de partida para quem inicia a leitura, a desconstrução da ideia do que é ser homem e dos ideais em torno da masculinidade: o homem deve ser “forte”, “bem-sucedido”, “duro”, “autossuficiente”, “sempre pronto para o sexo” ou “líder”, e as consequências desta pressão social para que o sexo biológico (masculino) corresponda com os ideais da masculinidade hegemónica. Consequências que mostram não só ser nefastas para as mulheres, pela violência de género que são alvo, em sociedades dominadas historicamente por homens, mas, e sobretudo, para com os próprios homens, no qual o autor aponta a depressão, o isolamento social, o consumo excessivo de álcool e drogas, os comportamentos de alto risco e até suicídio indicativos superiores nos homens.

Os estereótipos de género, construções históricas, sociais e culturais que nada têm que ver com a biologia mas, fruto de um imaginário coletivo alimentado pela família, pela escola, pela comunicação social, pela publicidade, pelo cinema, pela música, pela pornografia e por tantos outros domínios, mostram fazer com que os homens sejam mais cruéis, competitivos, individualistas, desligados emocionalmente, agressores e potencialmente violentos, refere Nelson Marques.

Expondo como o machismo e a desigualdade são construídas mediante a violência tóxica de género, o autor, mostra a importância da reflexão feminista sobre o papel dos homens e das masculinidades dentro das sociedades, assim como do seu importante envolvimento na agenda global pela igualdade de género. A libertação da mulheres poderá também libertar os homens? Os homens poderão tornar-se mais humanos sendo aliados feministas?

“Juntos – homens, mulheres e aqueles que não se revem nesta lógica binária – podemos fazer a diferença.”

Os Homens Também Choram, Nelson Marques (2020)

A partir de uma consciência de que as masculinidades dominantes impactam não só mulheres mas também outras pessoas que não se enquadram nos grilhões tradicionais da masculinidade – aqui os fatores classe, raça, sexualidade, saúde podem ilustrar o stresse social em cumprir a expectativa/ideal do que significa ser homem – inteirados das desigualdades de género e ciclo de violência e opressão que também eles próprios são alvo e fator, limitando o seu desenvolvimento pleno, colocando-os inclusive em maior risco social, será possível construir uma sociedade com modelos de género mais saudáveis e igualitários. Os homens podem e devem ser promotores de igualdade.

Ainda que muitos homens se sintam desconfortáveis e ameaçados com este debate – expondo as fragilidades da masculinidade hegemónica – importa salientar que – ainda que em menor número comparado com as mulheres – os homens também são alvo de violência doméstica, psicológica, violência sexual e assédio sexual no trabalho. Os homens, apesar de castrados socialmente para sentir, também choram e podem mostrar isso que possuem emoções e que a sua manifestação não compromete a sua virilidade.

Este é um livro que, de forma breve, nos mostra que a revolução das masculinidades é uma revolução fundamental para a igualdade social. Nelson Marques defende que a revolução da masculinidade marcará o século XXI, e eu não poderia estar mais de acordo.

Em baixo um pequeno debate sobre o livro »Os Homens Também Choram», contando com Nelson Marques, o humorista Diogo Faro e o investigador Tiago Rolino.

Homens: a grande revolução do séc. XXI? | Fundação Francisco Manuel dos Santos

ISBN:  9789899064126 Editor: Fundação Francisco Manuel dos Santos Páginas: 96


Design a site like this with WordPress.com
Iniciar