Djamila Ribeiro

“Dentro desse projeto de colonização, quem foram os sujeitos autorizados a falar? O medo imposto por aqueles que construíram as máscaras serve para impor limites aos que foram silenciados? Falar, muitas vezes, implica em receber castigos e represálias, justamente por isso, muitas vezes, prefere-se concordar com o discurso hegemônico como modo de sobrevivência? E, se falamos, podemos falar sobre tudo ou somente sobre o que nos é permitido falar? Numa sociedade supremacista branca e patriarcal, mulheres brancas, mulheres negras, homens negros, pessoas transexuais, lésbicas, gays podem falar do mesmo modo que homens brancos cis heterossexuais? Existe o mesmo espaço e legitimidade? Quando existe algum espaço para falar, por exemplo, para uma travesti negra, é permitido que ela fale sobre Economia, Astrofísica, ou só é permitido que fale sobre temas referentes ao fato de ser uma travesti negra? Saberes construídos fora do espaço acadêmico são considerados saberes?”

Lugar de Fala, Djamila Ribeiro (2017)

Djamila Taís Ribeiro dos Santos, mestre em filosofia política pela Universidade de São Paulo, como uma tese sobre “Simone Beauvoir e Judith Butler: aproximações e distanciamentos e os critérios da ação política” no qual explora a desconstrução das teorias feministas e do modelo tradicional de representação do feminismo e da categoria “mulher” dentro das políticas de representação, é hoje considerada uma das principais intelectuais negras e feministas contemporâneas do Brasil. Integrado na coleção “Feminismos Plurais”, também coordenada pela autora, Lugar de Fala é um livro que mostra querer democratizar as discussões em torno dos feminismos negros e do conhecimento produzido por pessoas racializadas.

Estruturado em cinco capítulos principais, com relativa autonomia entre si, permitindo ao leitor uma leitura mais livre, Djamila Ribeiro traz-nos o conceito de Lugar de Fala a partir do movimento e teoria feminista “Feminist Standpoint Theory”, da socióloga e feminista norte-americana Patricia Hill Collins.

“(…) é preciso dizer que não há uma epistemologia determinada sobre o termo lugar de fala especificamente, ou melhor, a origem do termo é imprecisa, acreditamos que este surge a partir da tradição de discussão sobre feminist stand point – em uma tradução literal “ponto de vista feminista” – diversidade, teoria racial crítica e pensamento decolonial.”

Apostando no estudo interseccional das relações de raça, classe e género como forma de compreender o lugar social ocupado pelo corpo pobre, negro, feminino, indígena, LGBTQI+, Djamila Ribeiro mostra através do “lugar de fala” as experiências de opressão, subalternidade e violência partilhadas por determinados grupos sociais assim como das condições sociais que constituem estes grupos invisibilizados pela normatização hegemónica. Desta forma, o lugar de fala, mais do que afirmar as experiências individuais trata de entender como o lugar social que certos grupos ocupam impossibilitam o acesso a oportunidades da maioria universal dos indivíduos. Como o lugar que ocupamos socialmente oferece experiências diferenciadas dentro da (desigual) hierarquia social.

“Uma simples pergunta que nos ajuda a refletir é: quantas autoras e autores negros o leitor e a leitora, que cursaram a faculdade, leram ou tiveram acesso durante o período da graduação? Quantas professoras ou professores negros tiveram? Quantos jornalistas negros, de ambos os sexos, existem nas principais redações do país ou até mesmo nas mídias ditas alternativas?”

Numa sociedade patriarcal, maioritariamente branca, cisgénero, heterossexual, monogâmica, pensar o lugar de fala mostra ser uma postura ética para com a construção de espaços de igualdade e representatividade para com mulheres brancas, mulheres negras, homens negros, pessoas transexuais, intersexo, não binárias, lésbicas, gays, etc. O lugar de fala mostra então ser “fundamental para pensarmos as hierarquias, as questões de desigualdade, pobreza, racismo e sexismo”.

Ainda, a autora chama a atenção para a distinção entre “o lugar de fala” e “representatividade” mostrando a fácil associação entre os termos e risco de essencialismo. Lugar de fala é não só o delimitar de fronteiras sociais mas como também a possibilidade da sua transgressão e diálogo entre elas, sendo que, o espaço social que cada um de nós ocupa, mais ou menos privilegiado, não deve impedir a responsabilidade e consciência social sobre determinadas formas de subalternização e desumanização.

“(…) é possível que uma travesti negra não se sinta representada por um homem branco cis, mas é possível que esse homem possa teorizar sobre o cotidiano de vida das pessoas trans a partir do lugar que ele ocupa, posto que a luta pela representatividade não exclui a responsabilização de quem historicamente ocupa espaços privilegiados. Dito de outro modo, a representatividade não pode essencializar o debate político, como se só o corpo subalternizado pudesse falar sobre racismo, sexismo e desigualdade.”

Esta é uma leitura feminista interseccional, pós-decolonial, que nos permite construir espaço reflexivo para a construção de novos lugares de fala que dêem conta das diferentes especificidades humanas.

O que é Lugar de Fala? Djamila Ribeiro (2017)

ISBN: 9788598349688 Editor: Letramento  Páginas: 112


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