A leitura é, provavelmente, uma outra maneira de estar num lugar, escreveu o Nobel da literatura portuguesa, José Saramago.
Fonte inesgotável de conhecimento e prazer, poderosa ferramenta de influência e transformação política, a leitura e a liberdade intelectual chegam até a ser censuradas por regimes repressivos, ditatoriais e totalitaristas, levando a que a informação, o espírito crítico sejam negados a grande parte das pessoas.
Em pleno século XXI, assistimos cada vez mais a discursos de ódio, à propagação do medo e de conteúdos de desinformativos quanto a questões de género e sexualidade. Na Europa, EUA, Brasil e um pouco por todo o mundo, assiste-se à criação de campanhas de proibição de livros de temática LGBTQIA+. Com base em justificações de “promoção da homossexualidade” ou da “propaganda da ideologia de género”, grupos ideológicos conservadores mostram atentar a autodeterminação, a liberdade de expressão, a autodescoberta e visibilidade das experiências de pessoas LGBTQIA+.
Recordando a célebre frase de Oscar Wilde, preso numa altura em que a homossexualidade era considerada como vício e decadência, diria: “Não existem livros morais ou imorais. Os livros ou são bem escritos ou não.”
Reconhecendo a importância da leitura e da educação para as temáticas de igualdade e não discriminação, pretendemos conhecer as estantes Queer e Feministas de algumas personalidades portuguesas. De forma a partilhar novos mundos que os livros encerram, questionamos:
- Qual o livro que mais o marcou/influenciou pessoal e profissionalmente?
Talvez seja Luz em Agosto, de William Faulkner. Quando decidi escrever um primeiro romance – que mais tarde viria a ser O Último Cabalista de Lisboa – analisei pormenorizadamente como é que a narrativa deste livro me cativou sem o autor recorrer aos truques do costume, por exemplo, cenas gratuitas de sexo ou corridas de carros. Em consequência, sem o saber, o Faulkner tornou-se meu professor de escrita!
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- Algum autor/a com que se identifica mais e que segue há mais tempo?
Identifico-me bastante com a Willa Cather, uma autora americana dos anos 20, 30 e 40 do século passado. Embora tenha escrito os seus livros há mais de 80 anos, o estilo é perfeitamente atual. E muito natural – sem pretensões e hermetismos. Os romances dela são sempre inteligentes e comoventes. O meu favorito, e um dos romances meus favoritos de todos os tempos, é Minha Antonia, que foi finalmente traduzido para português há 2 anos. É sobre uma jovem da Boémia que se muda para uma zona rural dos EUA, juntamente com a família, no fim do século XIX, e as grandes dificuldades que enfrentam.
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- Qual a leitura que acompanha e recomendaria aos nossos leitores?
Acabei de ler The Road Back, de Erich Maria Remarque. Infelizmente, não há edição portuguesa. O romance mais conhecido de Remarque é A Oeste Nada de Novo. The Road Back é quase uma sequela. É sobre um grupo de soldados traumatizados pela Primeira Guerra Mundial que voltam para as suas terras e famílias depois do armistício. Encontram um país que não está preparado para compreender as suas dificuldades e oferecer apoios – uma Alemanha indiferente ao seu sofrimento. Ficam revoltados e desorientados. É um livro triste e perturbador, e muito bem escrito.
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- Desde 1996 que o Richard publica um vasto número de livros. Entre os seus romances, uma coletânea de contos e livros para crianças, qual a obra que lhe deu mais gozo escrever?
O meu romance mais recente – A Aldeia das Almas Desaparecidas – ainda está muito presente na minha cabeça, talvez porque me tenha levado 4 anos a completar. Penso frequentemente nos personagens principais. Adoro o narrador, o jovem Isaaque, e a sua avó castelhana, a Flor. Foi, de facto, um prazer “viver” tanto tempo com eles. Embora seja um livro muito sério, deu-me muitas oportunidades para criar cenas de humor, sobretudo nas conversas entre o Isaaque e a Flor. E algumas oportunidades também de explorar a vida secreta de alguns homossexuais que são amigos do Isaaque. Também foi um prazer escrever sobre uma aldeia da Beira Alta de que gosto muito, Castelo Rodrigo.
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Richard Zimler nasceu em 1956 em Roslyn Heights, um subúrbio de Nova Iorque. Fez um bacharelato em Religião Comparada na Duke University e um mestrado em Jornalismo na Stanford University. Trabalhou como jornalista durante oito anos, principalmente na região de São Francisco. Em 1990 foi viver para o Porto, onde lecionou Jornalismo, primeiro na Escola Superior de Jornalismo e depois na Universidade do Porto. Tem atualmente dupla nacionalidade, americana e portuguesa. Desde 1996, publicou doze romances, uma coletânea de contos e sete livros para crianças. A sua obra encontra-se traduzida para 23 línguas. Para mais informações sobre o autor, visite o site http://www.zimler.com