Mulheres Condenadas: Histórias de dentro da prisão

Catarina Fróis

“Sabe? Eu imaginava que a prisão fosse muito pior. Estou-me a aperceber que esta prisão é um caso especial. Primeiro não há droga aqui. Depois, não chega a 50 mulheres; quase todas temos dos 30 para cima, há umas quatro ou cinco miúdas com vinte e poucos anos. Depois, como somos poucas, temos guardas connosco e não há coisas como elas contam de outras prisões em que entra droga, telemóveis, há mais negócios. Não sei se é assim mas é o que elas contam, como são prisões maiores..”

Rita in Mulheres Condenadas de Catarina Fróis (Tinta da China, 2017)

Mulheres Condenadas é a segunda obra de Catarina Fróis, antropóloga, professora auxiliar no Departamento de Antropologia do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, investigadora sobre as temáticas da marginalidade, do crime, da segurança, da justiça e dos direitos humanos.

Nesta obra, com chancela da Tinta da China, Catarina Fróis oferece-nos a possibilidade de satisfazer a curiosidade sobre o dia-a-dia, as rotinas, a vida em um estabelecimento profissional (EP) português. Um estabelecimento profissional descrito com características únicas na rede de EP’s no país, não só por se destinar à punição exclusivamente no feminino como também da sua geografia e infraestruturas. Situado numa sossegada vila alentejana, com apenas cinquenta camas, a exiguidade daquele espaço confere-lhe um clima único relativamente à maioria das prisões por que a autora já passara a investigar.

“Nesse primeiro dia fiquei a saber que a reclusa mais nova tinha 19 anos, estava condenada a 52 dias de prisão por não ter pagado uma multa de 400 euros; e a mais velha tinha 74 anos, em prisão preventiva por tráfico de droga.”

Catarina Fróis, Mulheres Condenadas (Tinta da China, 2017)

Entre o número de reclusas de Odemira encontramos uma diversidade de histórias de vida que alimenta a riqueza etnográfica do estudo. Condenadas por crimes diversos como o consumo e tráfico de drogas; por burla e não pagamento de multa; violência doméstica, maus-tratos e/ou homicídio dos companheiros, percebemos através das diferentes histórias narradas o que aproxima e caracteriza as vivências destas mulheres: as dificuldades económicas do agregado familiar de origem, o alcoolismo, os maus-tratos ou negligência parental que levariam à inevitabilidade daquele desfecho.

Deparando-se com um ciclo repetitivo de “pobreza-exclusão-institucionalização-violência” na história pessoal de varias reclusas, a autora mostra-nos como a prisão, espaço entre muros que delimita a liberdade e a sua restrição, é se não um espelho da sociedade portuguesa contemporânea e das suas dificuldades no garante de oportunidades e garantias a todas as pessoas sem exceção.

Ainda assim, apesar de todas as restrições e dificuldades, dos traumas que colocaram a vida daquelas mulheres no limite do socialmente e juridicamente aceitável, das dificuldades financeiras e limites de recursos materiais e humanos que acercam os estabelecimentos prisionais portugueses, percebemos que mediante o sofrimento e punição daquelas reclusas, existe entre as suas experiências de encarceramento uma consciência de arrependimento, de oportunidade de reflexão e de mudança do seu passado e plano de vida futuro.

“A gente um dia vai novamente para a sociedade, para a liberdade, e quando a gente pensar novamente em fazer o crime, a gente aí pensa muitas vezes. Neste momento estou a sentir mesmo a cadeia, estou-me a sentir separada da família, há muito mais regras, e por um lado é bom. Apesar de estar a sofrer mais, este sofrimento vai-me fazer bem quando eu estiver em liberdade. […] Não tenho tido problema nenhum; chego ao pé de uma guarda, desabafo com uma guarda, ela ouve-nos. Há pessoas com quem a gente tem empatia e outras que não tem, mas eu tenho aqui várias guardas com quem desabafo e elas ouvem-me, têm a paciência de me dar conselhos.”

Deolinda in Mulheres Condenadas de Catarina Fróis (Tinta da China, 2017)

Encontrando na dureza da reclusão um lugar de relativa estabilidade, com proximidade e partilha de experiências com guardas e outros profissionais da EP – professorxs, enfermeirxs, médicxs -, com atividades formativas e laborais entre muros, percebemos a tentativa de autonomização daquelas mulheres para uma vida digna despojada de reincidentes judiciais. Percebemos, também, o forte recorte de género entre aquelas grades em que o papel de género “mulher-esposa”, “mulher-mãe”, denota influenciar decisões em tribunal sobre penas a cumprir e o que se expecta que determinada pessoa seja socialmente, determinando a distribuição de número de anos de cada pena, de saídas precárias ou até do cumprimento de pena em liberdade condicional.

Mulheres Condenadas é pois se não a construção das narrativas, das experiências de vida de mulheres reclusas, de guardas, de outras profissionais que dentro da prisão de Odemira mostram não só a diversidade do crime feminino em Portugal, das lacunas do projeto de mainstreaming de género do estado português assim como do acompanhamento e reinserção social de quem caiu nas franjas do crime e exclusão social.

ISBN:  978-989-671-380-5 Editor: Tinta da China Páginas: 256


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