Medusa no Palácio da Justiça ou Uma História da Violação Sexual

Isabel Ventura

Houve uma época em que a violação podia ser perdoada se o agressor casasse com a vítima, para reparar o mal feito à família (e não à mulher). Durante décadas, a lei (e a medicina) defendia que uma violação não se podia consumar se a mulher não quisesse. Até depois dos anos 1980, só se considerava violação quando havia cópula completa, ou seja, penetração vaginal com ejaculação — preferencialmente, com marcas claras de violência, para provar que a mulher «resistiu até ao fim». E há, até aos dias de hoje, acórdãos de tribunal a julgar o comportamento das vítimas e a encontrar atenuantes para o crime quando uma mulher é «experiente», «adúltera», «provocadora».

Prefácio de Isabel Ventura in Medusa no Palácio da Justiça (Tinta da China, 2018)

Medusa no Palácio da Justiça ou uma história da violação sexual (2018), agora publicada pela Tinta da China, resulta da tese de doutoramento de Isabel Ventura, socióloga, mestre em Estudos sobre as Mulheres, jornalista, autora do livro As Primeiras Mulheres Repórteres (2012, Tinta da China) e que, pelo mérito deste estudo sobre a história jurídico-legal da violação em Portugal, lhe valera o Prémio APAV Investigação em 2016 e o Prémio Maria Lamas em 2018.

A autora escolhe a imagem da Medusa – uma figura mitológica da cultura greco-latina, violada por Poseidon, o deus do mar – para simbolizar o estigma sofrido pelas mulheres vítimas de violação ao longo da história. Ser vítima de violação transformou Medusa, uma jovem de uma beleza rara, numa criatura feia e abjeta, condenada ao abandono e à solidão por Atena, a deusa da guerra. Esta figura feminina lendária encarna assim os danos psicológicos, sociais e relacionais causados às mulheres vítimas de violação.

Dividido em duas partes: «Teorias da Violação» e «A lei e a Violação», a autora procura responder à velha questão que normaliza a cultura da violação e encoraja a agressão sexual masculina das mulheres responsabilizando-as pela violência sofrida: «Porque é que alguns homens violam?».

Traçando um caminho histórico da violação, articulado na leitura jurídico-legal do crime de violação, com uma perspetiva feminista de género a autora contextualiza o conceito de violação na sua raiz histórica e patriarcal, explicando como apesar da instauração da democracia em Portugal se perpetuaram os discursos e sentenças em torno da culpabilização e provocação da vítima excluindo a maioria das experiências de violação vividas pelas mulheres.

Constituindo um poderoso desafio à Justiça portuguesa e a toda a sociedade que consciente ou inconscientemente alimenta os preconceitos em torno da violação sexual, fornecendo-nos uma perspetiva da vítima/sobrevivente do crime de violação sexual, a autora mostra como o conceito de «mulher» é não só produto de uma narrativa patriarcal de alguém que contribuiu para a violação ou facilitou a prática do crime como homenageia todas as vítimas de violência sexual que foram ou continuam a ser vítimas de humilhações pelo sistema judicial português, que continuam a ser duplamente vítimas do estigma que as silencia, assim como todas aquelas para quem o prazo de seis meses para apresentar queixa não foi
suficiente.

Esta é uma obra que extrapolando as barreiras dos tribunais e da academia pretende dar voz e homenagear todas as mulheres vítimas e sobreviventes do crime de violação. Uma obra que pretende desconstruir preconceitos e mudar mentalidades.

ISBN: 978-989-671-427-7 Editor: Tinta da China Páginas: 480


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