Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta

“A repressão perfeita é a que não é sentida por quem a sofre, a que é assumida, ao longo duma sábia educação, por tal forma que os mecanismos de repressão passam a estar no próprio indivíduo, e que este retira daí as suas próprias satisfações. E se acaso a mulher percebe a sua servidão, e a rejeita, como, a quem, identificar-se? Onde reaprender a ser, onde reinventar o modelo, o papel, a imagem, o gesto e a palavra quotidianos, a aceitação e o amor dos outros, e os sinais de aceitação e amor?”

Novas Cartas Portuguesas, (Barreno, Costa e Horta, 2010)

“O livro maldito”, qualificado como “insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública”, recolhido e destruído após três dias da sua publicação (1972) levando à instauração de um processo judicial contra as autoras – as três Marias -, a clandestinidade deste livro e os efeitos que mostrara provocar na sociedade portuguesa fazem dele um símbolo da luta antifascista em Portugal.

Provocando uma onda internacional de apoio às autoras durante o processo judicial que viram ser alvo durante os dois anos que antecederam a revolução de Abril, com a cobertura do julgamento por meios de comunicação internacionais como o The Times e o Le Nouvel Observateur, gerando uma onda de protestos e manifestações feministas em várias embaixadas de Portugal, da defesa da obra e das autoras por figuras ligadas ao feminismo e literatura como Simone de Beauvoir, Marguerite Duras, Doris Lessing, Iris Murdoch ou Stephen Spender, foram várias as acções que fizeram com que este caso fosse votado, numa conferência patrocinada pela National Organization for Women (NOW), como a “primeira causa feminista internacional”.

Abordando não só questões que se mantêm cruciais para a agenda política contemporânea, despertando a consciência social para as diferentes formas de opressão e violência feminina, esta foi também uma obra inovadora enquanto objeto literário. Composto por 120 textos (incluindo cartas, poemas, relatórios, textos narrativos, ensaios e citações), escrito colectivamente e em anonimato pelas três autoras, Novas Cartas Portuguesas mostra a sua originalidade e insubmissão ao desafiar as noções tradicionais de autoria, autoridade e de género literário.

Reescrevendo, as conhecidas cartas seiscentistas de Soror Mariana Alcoforado a um oficial francês, enclausurada no convento por ilícitos amores com o sedutor conde de Chamilly, esta é uma obra que desvelando assuntos até então proibidos evoca a sororidade para com as várias gerações de Marianas, Marias Anas, Marias e Anas Marias remetidas à dor do silêncio e da clausura pelo domínio patriarcal.

“Que mulher não é freira, oferecida, abnegada, sem vida sua, afastada do mundo? Qual a mudança, na vida das mulheres, ao longo dos séculos?”

Novas Cartas Portuguesas, (Barreno, Costa e Horta, 2010)

A 7 de maio de 1974, uma semana após a Revolução de Abril, é lida a sentença pelo juiz Lopes Cardoso:

“O livro ‘Novas Cartas Portuguesas’ não é pornográfico nem imoral. Pelo contrário: é obra de arte, de elevado nível, na sequência de outras obra.

Cinquenta anos passados da sua primeira publicação, com a chancela dos Estúdios Cor, direcção literária de Natália Correia, esta é uma obra que continua a ser de leitura obrigatória. Contando já com várias reedições, nomeadamente, a última em 2011, organizada por Ana Luisa Amaral e com prefácio de Maria de Lurdes Pintassilgo, esta edição anotada mostra querer estar mais perto das novas gerações de leitores despertando o interesse para a originalidade e atualidade dos termos políticos e estéticos do livro.

«Novas Cartas Portuguesas» de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta

ISBN:  9789722040112 Editor: Dom Quixote Páginas: 46


Uma resposta a “Novas Cartas Portuguesas”

  1. Avatar de A Nova Velha História da Censura de Livros LGBTQIA+ – LeiturasQueer

    […] de Natália Correia; Os Sequestrados de Altona de Jean Paul Satre; Bichos de Miguel Torga; Novas Cartas Portuguesas de  Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, ou as inesquecíveis obras […]

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