ADELINO GOMESALFREDO CUNHA

“Quinta-feira, 25 de Abril de 1974. Vão decididos a abrir caminho contra quem apareça a opor-se. Levam dezenas de viaturas blindadas. Objectivo da missão de uns e outros: ocupar o Terreiro do Paço – lugar simbólico do poder, então imperial, português. A maioria tem entre 20 e 23 anos. Estacam, frentea-frente – uns já no interior da Praça do Comércio, os outros a progredirem do lado da Avenida Ribeira das Naus. Os primeiros, apostados em pôr fim a uma ditadura que leva 48 anos. Os segundos, em duas sucessivas formações, obedecendo a ordens para a conservarem.

Já uma parte dos segundos se rendeu ou passou, pura e simplesmente, para o lado dos primeiros quando, por alturas do Cais do Sodré, surge uma terceira e mais poderosa força em defesa do regime: quatro CC (carros de combate) M47 – o engenho blindado com maior poder de fogo do exército português -, apoiados por uma companhia de atiradores e alguns pelotões de Polícia Militar.

Terça-feira, 7 de Maio de 2013. Alfredo Cunha desloca-se uma vez mais à aldeia de Balazar. Procura alguém com o nome de José Alves Costa.

Nas três vezes anteriores que ali se deslocou, pessoas a quem perguntou se conheciam por ali quem tivesse estado no 25 de Abril responderam-lhe que não. Já sem grandes esperanças, dirige-se a um café e aborda o primeiro homem que encontra na esplanada.

  •   Conhece um senhor chamado José Alves Costa?
  •   Sou eu.
  •   No dia 25 de Abril de 1974 estava num M47 no Terreiro do Paço, em Lisboa?
  •   Estava.
  •   E recusou-se a fazer fogo, à ordem do brigadeiro?
  •   Sim.

Voz ao lado: «Afinal era verdade o que tu dizias…»”

Adelino Gomes, Os Rapazes dos Tanques (Porto Editora, 2014)

Os Rapazes dos Tanques: Histórias na Primeira Pessoa dos Cavaleiros que em 1974 derrubaram a Ditadura (2014) constitui um todo narrativo espraiado por fotografias e textos. Fotografias de 1974 e de 2013, e textos que recuoeram factos e impressões, 40 anos depois, pela memória de militares presentes naquele dia e no que se lhe seguiu.

As fotografias de Alfredo Cunha e as entrevistas conduzidas por Adelino Gomes levam-nos a (re)viver aquelas horas e a percebermos as dúvidas, os receios, a ansiedade, a tensão, a esperança, as alegrias vividas por cidadãos que, depois desse dia, regressaram, na maior parte dos casos, ao anonimato. E a conhecer, também, o olhar que esses homens têm sobre o país quarenta anos depois.

Este livro dá voz, pela primeira vez, a furriéis e cabos que não obedeceram às ordens de fogo do brigadeiro comandante das forças fiéis ao regime – um ato de justiça aos que estando, numa primeira fase, na defesa do regime arriscaram a vida e souberam estar à altura do desafio.

Os Rapazes dos Tanques é uma homenagem aos homens da Cavalaria que acabaram com 48 anos de ditadura, em especial, ao capitão Salgueiro Maia. Mas também, homenageia todos os foto-repórteres que naquele dia compareceram na hora certa no lugar exato do acontecimento, e ali fixaram momentos em imagens que ainda hoje nos tocam e emociona: Abel Fonseca; Alberto peixoto; António Xavier; Armando Vidal; Carlos Gil; Correia dos Santos; Eduardo Baião; Eduardo Gageiro; Fernando Baião; Francisco Ferreira; Inácio Ludgero; João Ribeiro; José Antunes; José Tavares; Lobo Pimentel Jr.; Miranda Castela; Novo Ribeiro; Rui Pacheco; Teresa Monsserrat.

Alfredo Cunha nasceu em Celorico da Beira, em 1953. Em 1970, iniciou a sua carreira profissional em fotografia e, em 1971, entrou no jornal Notícias da Amadora. Desde então, tem colaborado com muitas publicações, como O Século, o Público ou o Jornal de Notícias, tendo exercido em algumas o cargo de editor de fotografia. Foi fotógrafo oficial dos presidentes da República Ramalho Eanes e Mário Soares, recebendo a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique em 1996. É autor das famosas séries fotográficas dedicadas ao 25 de Abril de 1974 e à descolonização portuguesa, entre outras. Já publicou dezenas de livros de fotografia e apresentou dezenas de exposições, tendo recebido vários prémios e distinções pelo seu trabalho.

Adelino Gomes (n. 1944) exerceu a atividade quotidiana de jornalista durante 42 anos, na rádio, na televisão e na imprensa escrita e foi provedor do ouvinte da RDP (2008-2010). É coautor, com Paulo Coelho e Pedro Laranjeira, do duplo álbum O dia 25 de Abril, relato dos acontecimentos militares no Terreiro do Paço e no Largo do Carmo (sucessivamente reeditado). É docente na pós-graduação em Jornalismo do ISCTE-IUL/Media Capital (Estudos Críticos e Deontologia dos Media) e investigador associado do CIES-IUL.

ISBN: 978-972-0-00368-3 EditorPorto Editora Páginas: 200


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